FTSA e os Reformadores
9 de novembro de 2023Depoimento: John e Connie Rudy
10 de novembro de 2023Sebastião Eduardo Alves Pellissier*
Pastor presbiteriano, Presidente da SIM-Brasil Organização Missionária Internacional e Presidente da ACESA mantenedora da Faculdade Teológica Sul Americana
Um pouco sobre mim
Nasci em lar evangélico, mas meu pai era católico, nascido na França. Veio de lá no período da Segunda Guerra Mundial, quando a França estava sendo ocupada pelos alemães. Meu avô, então, arrumou meios para virem ao Brasil. Ao chegarem, os meus avós não se acostumaram e voltaram para a França, mas o meu pai ficou morando na cidade de Poços de Caldas - MG. Ali, ele conheceu o evangelho na Igreja Metodista, quando já era casado com a minha mãe. A partir daí se inicia a nossa história cristã. Quando eu nasci meus pais já eram, portanto, da Igreja Metodista, e por isso fui batizado nessa Igreja, na qual permaneci até aos 16 anos. Depois, nós nos transferimos para a Igreja Presbiteriana, em razão de termos mudado para a cidade de São Paulo, onde passamos a morar bem próximo da igreja. Cursei Administração de Empresas na Faculdade Oswaldo Cruz, em São Paulo. Em seguida, fui fazer o curso de Bacharel em Teologia no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas – SP, o qual concluí em 1985. Fui ordenado pastor presbiteriano em 1986. Pastoreei durante um ano em São Paulo, quando recebi um convite para vir ao Paraná pastorear a Primeira Igreja Presbiteriana de Maringá. Atualmente atuo em Londrina em um trabalho que se chama Comunidade Cristã Kerigma.
Primeiro Contato
Quando eu era pastor na cidade de Maringá, juntamente com outros dois pastores que formavam um colegiado na mesma igreja, recebemos um telefonema de dois pastores de Londrina, dizendo que gostariam de nos fazer uma visita. Até então, conhecia só de ouvir falar sobre um tal de pastor Antonio Carlos Barro e seu irmão Jorge Henrique Barro. Marcamos um horário; eles foram visitar nossa igreja em Maringá e disseram: “Estamos querendo iniciar um seminário”. Passaram-nos mais ou menos a ideia de como seria este seminário, ressaltando que gostariam que fosse um seminário diferente do que conheciam no Brasil, com uma ênfase em missões, espiritualidade e que realmente preparasse as pessoas para servir o Reino de Deus. Assim, pediram o apoio da Igreja Presbiteriana de Maringá, o apoio dos pastores. Isso aconteceu em outubro de 1993. A minha história de vínculo com a FTSA iniciou-se, portanto, na cidade de Maringá. Eu falei que achava interessante e disse: “Pode contar com o apoio da nossa Igreja, apesar de que no próximo ano eu não estarei mais aqui, pois estarei indo para São Paulo, mesmo assim nós estaremos apoiando este trabalho”. E perguntei: “Como anda este processo?” _ “Bem, por enquanto não temos nada, estamos preparando, mas o seminário inicia-se no ano que vem.” Eu não falei mais nada, a não ser que estaria de acordo, ou seja, demos o apoio e eles foram embora.
Para ser sincero, não ouvi mais falar no seminário, talvez pelo fato do meu desligamento da igreja, eu não sei. Talvez eles tenham enviado alguma propaganda, não sei. Acho que não, pois nem dinheiro para propaganda eles tinham. Tudo era no corpo a corpo. Mas, o fato é que Deus tinha preparado um outro caminho. Eu já tinha fechado um compromisso com a igreja de Limeira quando recebi o convite da Segunda Igreja Presbiteriana de Londrina. Inicialmente, informei que não poderia aceitar em virtude de já ter firmado um compromisso com a outra igreja, “a não ser que Deus faça alguma coisa, eu não vou voltar atrás com a minha palavra” – ressaltei. Além do que, a minha carta de transferência já estava pronta. A liderança da Segunda Igreja então disse: “nós vamos orar por isso”. De fato, eles oraram e eu também orei. E, quando eu estava no Estado do Espírito Santo pregando em uma conferência missionária, Deus deu uma resposta. Houve um acerto entre a igreja de Limeira e a de Londrina; foi quando, eu acabei vindo para Londrina. Iniciei o pastorado na Segunda Igreja e, no primeiro semestre, tive um contato com o Pr. Antonio Carlos, pois pertencíamos ao mesmo presbitério. Certo dia ele me disse: “Olha Pr. Eduardo, nós vamos iniciar um grupo de estudos bíblicos com os pastores da denominação, lá no meu gabinete, venha participar, nós vamos estudar a Bíblia. É sem compromisso, conversar e tomar um cafezinho juntos.”
Começamos com estudos bíblicos
Me lembro que começamos a frequentar esta reunião semanalmente: eu, Luís Silvério, Wander, Marcio Silva, Denis, Carlos Augusto e alguns outros pastores. Pãezinhos com manteiga, um café e, em seguida, o estudo bíblico. Ali começou realmente o meu contato com o seminário, que já tinha sido de fato inaugurado em fevereiro de 1994. Pude então conhecer um pouquinho do perfil do Antonio Carlos; ver que a sua visão era algo muito maior do que estávamos vendo; a questão da simplicidade, da humildade, sonhando coisas grandes, não materiais, mas no sentido de preparar vidas, sempre desejando ver pessoas sendo treinadas na área. E o Jorge, colocando a questão da prática e da vivência. Isso me impactou, a paixão deles nos contaminou.
Em meados daquele ano, o Jorge e o Antonio Carlos me perguntaram se eu não gostaria de ajudar no seminário assumindo uma matéria para dar aula, ao que respondi: “Olha, eu nunca dei aula na minha vida, a minha área sempre foi outra, mas eu estou à disposição para colaborar”. Aí, eles me explicaram que a matéria seria na área de discipulado: “Temos um professor que está saindo e nós vamos precisar de alguém para o segundo semestre.” Devido a alguns cursos que eu havia feito em Curitiba, nesta área, aceitei o desafio. Eu, logicamente, não tinha este sonho com educação teológica, mas aos poucos fui me envolvendo, sendo contagiado por estes dois homens. Comecei dando aulas e logo fui convidado a fazer parte das questões administrativas da FTSA. O Jorge estava se preparando para ir aos EUA continuar seus estudos. Diante disso, fui convidado para assumir o lugar dele na Diretoria Administrativa, em 1995, e novamente, aceitei o desafio. Assim, por alguns anos, fui diretor financeiro e administrativo do Seminário.
Novos Desafios
Posteriormente, passei a ser também responsável pela implantação dos cursos de Mestrado em algumas regiões no Brasil, como em São Luiz do Maranhão, Recife, Salvador e Belo Horizonte. Durante este tempo, ingressei também como aluno no curso de Mestrado, mas não pude concluí-lo, pois estudar e ao mesmo tempo ser o coordenador se tornou muito complicado. Então, só foi possível concluir a Especialização em Missões, pela FTSA. Na questão de missão integral e visão do Reino, eu devo a minha história ao próprio Sul Americano. E, finalmente, recebi um desafio do Antonio Carlos: fundar o Centro Global de Missões, o qual já era um projeto que vinha no meu coração e no dele também. Iniciamos uma conversa sobre este assunto e eu desenvolvi um projeto, apresentando a ele que me lançou o desafio. Aceitei e, um ano antes da inauguração, eu me desvinculei da parte administrativa e iniciei o trabalho no projeto do Centro Global até à sua inauguração, em outubro de 2000. Fiquei dois anos na frente do Centro Global de Missões e hoje estou na área de relações públicas.
Vale destacar que quando fui convidado para trabalhar no Seminário Sul Americano, a proposta financeira era muito boa (rindo): nós ganhávamos o equivalente a R$ 50,00 por ano. Lembro-me que no meio do ano, o Antonio Carlos solicitava guardar uma verba de R$ 50,00 a 100,00. E para todo mundo ele dava um cheque como gratificação pelo trabalho e pelo envolvimento. E ainda, uma vez por ano, reuníamos todo grupo, desde o faxineiro até ao diretor e saíamos para jantar. Desse modo nós trabalhamos mais ou menos uns cinco anos, desde a fundação até o ano de 1998, sem vencimentos. Tanto eu como o Antonio Carlos somos muito gratos às igrejas que pastoreávamos por entenderem o nosso ministério. Eu fui sustentado pela igreja pelo menos uns cinco anos do meu trabalho no Seminário. Eu dava um tempo relativamente grande para o Seminário; nós não tínhamos um horário fixo; íamos para lá e ficávamos até quando terminasse nosso serviço. Em algumas noites, na época de fazer contabilidade e entregar balanço, chegávamos a virar a noite trabalhando e não ganhávamos um centavo; a não ser a satisfação de estar ali.
Sempre contamos com o respaldo das igrejas. Então, por um lado, a igreja investia em nossos pagamentos, mas por outro lado recebia um retorno por meio dos vários seminaristas, de outras localidades, que frequentavam as nossas igrejas, pois eles, quando chegavam, não tinham onde congregar e iam para nossas igrejas. Eu, como pastor, cheguei a ter oito seminaristas na igreja que pastoreava. Também, em determinada época, contava com dois pastores mantidos financeiramente pelo Seminário, que nos finais de semana colaboravam com a minha Igreja. Então, foi uma ajuda recíproca, em que um cooperava simultaneamente com o outro. A Igreja teve a visão de investir e, como consequência, recebeu bênçãos disso, havendo assim o inter-relacionamento entre Igreja e Seminário.
Além do que imaginávamos
Posso testemunhar, hoje, que os sonhos e expectativas foram logo ultrapassando tudo aquilo que existia no início. Não esperávamos, em um espaço tão curto de tempo, ter mais de quinhentos alunos espalhados por aí como a gente tem, sermos uma escola bem comentada por onde vamos. Então, muitas coisas foram além, outras eu acho que ainda estão aquém. Por exemplo, ainda na questão missionária, apesar de ser uma escola voltada para missões, ainda tem muita coisa para realizar, tem espaço para crescer.
Ao longo dos anos na Faculdade Teológica Sul Americana vivenciei vários momentos marcantes. Também passamos muitos momentos difíceis e desgastantes; que naquele tempo foram ruins, mas que hoje, sabemos que foi algo de Deus. Por exemplo, surpreendentemente tivemos que sair de onde estávamos e assim iniciei a procura por um escritório... Alugamos uma sala para funcionar o escritório, a diretoria e secretaria naquele novo local, no centro de Londrina, na Avenida Souza Naves. Mobiliamos e quando estávamos nos preparando para levar as turmas para as igrejas, eu recebi a visita do pastor José Antonio, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Londrina. Ele entrou na minha sala dizendo que gostaria de conversar comigo e perguntou como tinha ficado nossa situação junto à instituição em que estávamos. Eu lhe comuniquei que estávamos saindo daquele local por razões que fugiam ao nosso controle. Aí, ele me perguntou: “Por que vocês não vão para o Espaço Esperança?” Respondi: “Em primeiro lugar, porque o Espaço não é nosso, e em segundo lugar, eu nunca faria um pedido deste a vocês, pois vocês são da IPI, e há um seminário desta igreja aqui em Londrina... acho que isto é antiético... colocaria vocês em uma situação difícil.” Mas, o pastor ressaltou: “Quem disse que vocês estão pedindo? Se eu estou vindo conversar é porque eu estou oferecendo.” Então, enfatizei: “Olha, José, se você tomar esta atitude, vai partir de vocês e nós vamos ficar eternamente gratos, mas nunca vamos pedir isso...” Ele me pediu um tempo para voltarmos a conversar sobre o assunto. Após uma semana, ele retornou, desta vez com o pastor Messias. Os dois entraram no escritório e o pastor Messias disse: “Olha Eduardo, nós entendemos a visão de vocês, acreditamos nesta visão, e o conselho da Igreja, por unanimidade, está convidando vocês para entrarem lá no Espaço Esperança.” Sem palavras para agradecer, disse-lhe: “Somos muito gratos e não vamos recusar. Nós precisamos somente por um ano, quero dizer, achamos que seja somente por um ano.” Eu lembro que acertamos alguns detalhes, e o Antonio Carlos reuniu todos os alunos e disse: “Pessoal, eu tenho uma notícia para dar a vocês.” O pessoal ficou meio sério, pois sabia de tudo que estava ocorrendo. Então, o Antonio Carlos falou que o Seminário “tinha ido para o espaço”. O pessoal ficou estático. Mas, logo em seguida, ele pediu calma a todos, rindo e tranquilizando-os ao dizer que tinha ido para o “Espaço Esperança”.
O João Simoneti, que depois se tornou aluno de nossa escola e que hoje é pastor da Igreja IPI de Londrina, era o administrador da Primeira Igreja naquele momento e abriu totalmente as portas do Espaço Esperança para nós. E foi assim: quatro salas e uma sala para a biblioteca. E sempre que solicitávamos mais alguma coisa para o João Simoneti, ele sempre conseguia. Foi ele que se prontificou a arrumar uma sala para que o escritório do Seminário pudesse também ser transferido lá para o Espaço Esperança. Conseguiu uma dependência fantástica: uma sala grande, onde instalamos a diretoria, computação, sala dos professores e, em outra sala, a recepção do seminário. Ali, de um ano, ficamos três. Foi um momento muito especial em nossa história. Em momento algum o conselho da Igreja questionou sobre a nossa permanência naquelas dependências, ao contrário, sempre nos apoiou, sempre nos recebeu de braços abertos. Enfim, em termos de apoio e condições para crescer, recebemos deles o que qualquer grupo cristão comprometido deveria fazer sempre.
Dando e recebendo
Olhando para estes anos que se passaram do Seminário Teológico Sul Americano, hoje Faculdade, as maiores recompensas que tenho, em minha mente e coração para a minha vida e para a escola - creio que posso dizer que em primeiro lugar está a questão de visão do Reino, da missão integral. Aqui eu aprendi, principalmente pelo convívio com o Antonio Carlos, a olhar o próximo com compaixão, uma compaixão tal como Jesus teve. Compaixão que leva à ação. Eu, muitas vezes vi o Antonio Carlos abrindo sua carteira e pegando os últimos 30, 40, ou 50 reais que ele tinha para ajudar um aluno. Quando não podia fazer nada enquanto instituição, ele pegava e dava o que possuía. Sem contar em outras áreas, como por exemplo, quando o aluno ou aluna precisava de um fiador ele ia e afiançava. Às vezes, este estudante por dificuldades ficava sem condições de pagar e ele assumia e terminava pagando a dívida como fiador. Tudo isso impressionou a minha vida e começou a mudar a minha visão ministerial quanto ao reino de Deus. Estas são as maiores recompensas que recebemos.
A Faculdade tem sido um local de desenvolvimento do meu ministério, pois hoje eu não vejo como estar fora. Não significa que eu precise estar ocupando alguma área administrativa ou alguma função dentro da estrutura. De repente, Deus tem outros sonhos ou caminhos para a minha vida, porém eu espero sempre contribuir e estar ligado à Faculdade Teológica Sul Americana até o final de minha vida. Talvez nestas áreas administrativas em relação ao trabalho um dia eu venha a me desligar, pois tenho uma editora e uma Igreja onde também desenvolvo meu ministério. Hoje, graças a Deus, nós temos pessoas que fazem tudo aquilo e até mais do que realizávamos no passado. Na época não tinha quem. Eu me lembro de quantas e quantas vezes nós saíamos para alugar casa para aluno, pegávamos o carro, colocávamos o aluno dentro e saíamos para ver os imóveis, perguntando se o aluno gostava ou não, em uma ação participativa. Ao fazermos isso, os alunos ficavam agradecidos e diziam que gostariam de estudar com a gente, pois eles comentavam que em escola nenhuma o diretor e o presidente teriam tal atitude. Nós montávamos repúblicas para os alunos. Por motivos como estes eu me vejo inteiramente ligado à organização. Ela é parte da minha vida.
Nesses anos que se passaram, a FTSA sempre manteve a visão, ainda que com algumas modificações, como sair de uma estrutura caseira ou familiar. Nós éramos diretores, professores, faxineiros; nós éramos tudo em uma convivência com muito diálogo. Discutíamos, por exemplo, a implantação de um curso para o dia seguinte e já ficava decido que sim. Não era necessária muita coisa. Porém, se em um ano não desse certo, nos reuníamos novamente e já decidíamos sobre a extinção dele. As coisas aconteciam muito rapidamente. Ás vezes era problemático também, porque o Antonio Carlos e eu, temos algo em comum, que é não ter medo de desafios e termos o coração muito sensível. Então, o que acontecia? Outro exemplo: vinha um aluno e falava que gostaria de estudar, mas não tinha dinheiro e relatava histórias que realmente nós percebíamos que eram verdadeiras. Então, solicitávamos para que o aluno ficasse e que iríamos dar um jeito. Chegou uma fase em que o seminário tinha mais bolsistas do que alunos mensalistas. Assim, vimos a necessidade de mudar aquela estrutura; tanto que eu e o Antonio Carlos fomos proibidos de conceder bolsas de estudo. Nós causamos muitos problemas para a parte administrativa. No entanto, passamos por um processo de adaptação, necessário, porque a estrutura cresceu e teve necessidade de profissionalizar-se, para chegar onde chegamos.
Eu agradeço a Deus o privilégio de ter na vida uma experiência como esta. Já vi alguns milagres na minha vida, mas eu nunca tive uma experiência num porte deste. A gente tem andado por aí e encontra os alunos da nossa escola que convidam para pregar em suas igrejas, onde me apresentam como seu professor. Isso nos deixa satisfeitos, pois assim ficamos sabendo de alguns ministérios que estão acontecendo pelo mundo, pelo Brasil, que são frutos da escola e do nosso trabalho. Se antes eu utilizava exemplos de grandes livros que lia, dos grandes feitos de Deus do seu agir na história, hoje eu posso dar o testemunho de minha experiência e vida, dizendo que eu vi Deus realizando grandes coisas.